terça-feira, 5 de junho de 2007

Lourenço Mutarelli


Magnetizado pelo cinema alemão (principalmente Herzog) e por um filme em especial, As três coroas do marinheiro, de Raul Ruiz (realizado em co-produção Chile e França), contaminado pela literatura de Kafka e Dostoievski e embriagado pela música de Carlos Gardel, Lourenço Mutarelli gerou um grande número de heróis atípicos das histórias em quadrinhos. Personagens que parecem viver em uma dimensão muito próxima à nossa, envolvidos pela depressão urbana quando são capturados para viverem momentos cruciais (e muitas vezes terminais) de suas vidas.

O artista, que viveu sérias crises de síndrome do pânico, usa suas histórias em quadrinhos como a melhor forma de comunicação que encontrou com o mundo externo. Foi desenhando que descobriu que as outras pessoas podiam entender o que sentia e como via a vida ao seu redor. A expressividade do preto do nanquim sobre a folha branca do papel (técnica preferida por ele) ampliou o realismo fantástico e sofrido de seus personagens.

Em seus quatro primeiros trabalhos, o artista personificou, em seus heróis, os dramas por ele mesmo vividos, catarses de seu mundo solitário. Já o protagonista de seu quinto álbum, Diomedes, com sua aparência grotesca e personalidade instável, foge às características de seus primeiros trabalhos, constituindo-se em um detetive aparentemente incapaz de resolver qualquer caso. Ao escrever O Dobro de cinco, o artista provou que sua linguagem está realmente nos quadrinhos. Nessa obra, é impossível dissociar um código de outro: são palavras e imagens que caminham juntas, construindo uma narrativa envolvente, uma armadilha.

De uma certa forma, Lourenço Mutarelli personifica, em seus heróis, retratos da sociedade contemporânea: o trágico e burlesco, movido a decepções, fracassos e muita insegurança de um mundo ficcional (ficcional?) totalmente desprovido de elementos éticos e morais. Cada leitura possibilita o descobrimento de novas particularidades dos heróis.

Através das histórias coloridas feitas especialmente para o site da Revista Cybercomix, seus leitores acompanham suas desventuras via Internet. Com uma série de histórias (quase todas autobiográficas), o desenhista conquistou mais um espaço para a tristeza, solidão e ilusão por onde caminham seus "escolhidos". Os heróis criados pelo artista são sinônimos para a dor existencial e a reflexão em torno da miséria humana.
Do fanzine, publicação em revistas, lançamentos de álbuns à Internet, Lourenço Mutarelli é um digno "estudo de caso" a ser analisado por pessoas que, geralmente, não elaboram, mas devoram e são devoradas pela linguagem das Histórias em Quadrinhos.
Abaixo, Salada Crua traz até vocês cenas de um conto de Mutarelli recentemente adaptado para o cinema, O Cheiro do Ralo:

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